segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Primeira história sobre Dulce

Virou a chave na porta e escolheu um disco; Nelson Cavaquinho. A agulha rangeu os primeiros soluços. Se serviu de vodca, sem gelo e sem água. Sorveu o copo. Da janela do apartamento assistiu ela indo embora. Levava uma mala e meia dúzia de esperanças. Acendeu um cigarro e buscou outra dose. Junto a vodca, o gosto salgado de lagrima, de ranho, de choro. Olhou para porta como se a campainha fosse tocar. Não tocou. Ela se foi – repetiu pra si –, ela se foi. Tentou deitar, deixar passar, esquecer. A bebida rodava junto ao disco. Precisou vomitar. Vômito ardido, grito da boca do estômago. O medo da solidão é pior que a solidão. Lavou o rosto, deixou a água escorrer molhando o peito, encharcando o colarinho da camiseta. Olhou novamente a janela. Ela se foi – repetiu –, e não podia ser diferente. É difícil o amor porque acaba. A dor é foda. Enrolou um baseado frouxo e não acendeu. Rodava com o disco. O cigarro queimou sozinho no cinzeiro. A cinza cumprida, solitária, abandonada. Voltou pra vodca. A dor do estômago era a mais amena. A noite não ia ser fácil, talvez impossível. Olhou pra cinza, sozinha, como se a campainha fosse tocar. A agulha completou o lado do disco. Era hora de mudar. Hesitou, achou que a campainha ia tocar. Virou o disco. Limpou o cinzeiro e voltou para janela, com o baseado frouxo na mão. Tremia. Socou a mão no bolso e tirou um pino, cheirou a metade e guardou a outra. A campainha podia tocar. O ar pesado. O apartamento pequeno.

Virou a chave na porta e desceu as escadas. Noite sem lua. Precisava dizer que queria que a campainha tocasse, que queria que ela voltasse. Que ainda amava. Mas era tarde. Caminhava rápido, passo pesado. O peito ainda úmido batia forte, rápido. Ela se foi. Escolheu a esmo um lado, correu. O ranho escorria do nariz, o ar faltava no peito. A campainha não tocou, ela se foi. Meio trôpego, meio elétrico. Encontrava ela em todas as pessoas que passavam, em todos os vultos, em todos os passos, vagos vão. Limpou o ranho na camiseta, de colarinho úmido. Não encontrou. Não podia desistir. A campainha jamais iria tocar. Mandou a outra metade da cápsula. Percebeu uma garoa filha da puta. Parou num bar. Pediu conhaque, sem gelo nem limão. Ficou na porta a espreita, encontrando ela em todas as sombras, em todas as poças. Pagou o drinque e correu, ao léu. Gritou seu nome até a garganta travar. De vômito, de solidão, de pó. Tentou outras ruas, outras avenidas, outras vias. Tentou fumar.

Acordou. O lençol amarelo tinha uma mancha de sangue na altura do rosto. No banheiro viu no espelho as marcas incrustadas no rosto. Em meio aos coágulos inda escorria sangue. Sentiu a água escorrer, encharcando o peito. Na sala; a agulha ainda riscava um disco. Escolheu; Cartola. Fez café. A campainha não iria tocar. Acendeu um baseado frouxo.

2 comentários:

eletricmanfred disse...

Escrito nas entranhas.

Aline Santiago disse...

preciso falar com vc.
msn: aline.sr1@hotmail.com

preciso msm.