segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Primeira história sobre meu pai



(que minhas cinzas alimentem a erva

E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos)


meu pai bateu as botas e não viu o mengão. continuação. a vida segue. não a dele. depois dos nove (ou por aí), ele deu o fora. deu o fora. não que tenha “dado o fora” mas; saiu. avançou pela linha de campo. ficou eu, a mãe e o irmão. segui a direção do vento. herdei uns discos do Raul. brinquei com minha falta de memória e passei minhas férias em Guaianazes. não guardo a infância. não guardei. passei algumas férias em Guaianazes. o sobrado que havia sobrado. antes disso eu caçava vaga-lumes e os enfiava num pote de margarina. não fui escolhido para o time.

antes disso: eu subi encima do muro e raciocinei com ímpetos de desfabular verdades incontestáveis. descobri que vinte tá bom. o número vinte era o máximo para mim. mais que isso é sobra. Diógenes só precisava do sol e tal. estava falando do sobrado, certo?

quando meu pai morreu. e eu não pude viajar pra vê-lo moribundo. estava me realocando no mercado de trabalho. abiscoitando subempregos. herdei uns discos, tá legal! comecei a fumar um tempo atrás. já faz um tempo. meu pai não soube. não vai saber. eu tinha saudade – bastante saudade – agora, continuo tendo saudade. ele poderia der visto o Flamengo campeão. acho que faria bem.

eu era a hecatombe dos vaga-lumes. lhes usurpava a grama-verde-tranquila-orvalhada e lhes abençoava com o pótinho amarelado da margarina. azar preles. quem mandou ter as bundinhas com lampadinhas verdes? daí que, nas férias em Guaianazes eu tentei empinar pipa, rodar peão, jogar vídeo game e ser escolhido pros times. nem fudendo pra mim. arrisquei também, talvez por desforra, tocar umas do Legião Urbana num violão que eu roubei da minha tia.

mas tudo bem, vinte tava bom pra mim. e quando eu achei que Guaianazes não era tão longe assim ele foi pro Tocantins. minha mãe me disse que ele gostava mais do bar do que dela. creio que sim, pois. ele comprou um bar e foi morar nele com minha madrasta. os vaga-lumes morriam – evidentemente. não ficou muito da infância. uma tarde fizemos bolinhas com massinha de modelar e jogamos juntos na parede. só pra ver grudar. mas não sei se ele estava ou se eu fantasiei esse evento. assim como o do número vinte.

aí que, eu, irmão e mãe seguimos. enquanto ele morava na zona leste (e eu achava que era longe) eu não era escolhido para o time e respondia pelo miojo do meu irmão mais novo. mudei de casa umas vezes pelo Imirim. conheci lugares, fiz amigos. fiz amores. e fui ficando – mais velho, amargo, melancólico –; comecei a fumar.

tentei criar uns periquitos. morreram de fome. tentei cuidar de uma ramister (ela era caolha) e ela morreu de tanto comer. os traumas levam a novos erros. me dei bem em uma ocasião com uns pezinhos de rabanetes e algumas vagens de feijão. o milagre da criação. eu era o deus dos rabanetizinhos. porém, não levava jeito com as coisas vivas. e fui me desapegando. não sei. era por aí, meu irmão ia crescendo e ficando com a cara do velho. e eu o guardava, particularmente, nas mãos. minhas mãos são iguais a dele. menores. e fritava os hambúrgueres pro meu irmão; ele foi crescendo.

me veio outro irmão. parte de pai e tal. visitei o Tocantins. mais precisamente o interior do Tocantins. quando eu nasci (se fosse mulher seria Kelly) o Tocantis nem existia. era Goiás. minha mãe veio do Paraná com vó and vô, pra ver qualé qui eram os grilos por aqui. quando meu pai começou a fumar apanhou de cinta uma tarde inteira. não largou. ele queria ser desenhista e acabou impressor chefe de grandes gráficas e pá. eu desenhava. uma vez desenhei o Sonic e minha mãe acho que ele tinha passado em casa. mas não passou. larguei.

foi aí que eu fumava maconha demais, bebia além da conta e só escrevia coisas tristes. não arrumava um trabalho cool. nem pensava em faculdade e a porra toda que dignifica o filho duma puta do homem. escutei muito rock and roll, sabe? sangrei horrores e não tive um filho. quando ele morreu, minha madastra estava grávida. minha primeira irmã. ou, como se diz por aí, meia irmã. ele não viu minha meia irmã nascer e nem o mengão ser hexa. agora deu.

o sobrado foi vendido. o bar ficou vazio. eu continuo fumando. continuo melancólico. dia desses briguei com minha mãe. ela disse que eu amava minha madrasta. ela, a madrasta, ficou na minha cuca junto a uns bijus com café e uma filha que nasceu sem pai. sem meu pai. ele não viu o Flamengo campeão brasileiro. eu nunca mais vou ver meu pai. ficou uns discos do Raul e a morte, surda, [que] caminha a meu lado E eu não sei em que esquina ela vai me beijar.

2 comentários:

eletricmanfred disse...

CARA,ouvi tua VOZ nessa história, mais clara que um cristal na frente de um holofote.

Guí disse...

Muito foda