1.
Antes de tudo vem: conheceram-se num bar. Alto de noite. Um exagerará na bebida, o outro andava vidrado em outros lances. Um tomava gin-tônica com duas rodelas de um tipo de limão amarelinho. O outro periodicamente ia até o banheiro, cruzando a mesa de um tipo que tomava gin-tônica com duas rodelas de limão. Um tinha o olhar pesado, vestia jeans e camisa bege. Vez em quando empurrava os óculos com a ponta do indicador, realocando-o corretamente sobre a cartilagem do nariz. O outro saia do banheiro metido em seu jeans e camiseta branca.
– Ta bebendo o que?
– Gin.
– Quer rachar umas cervejas?
– Não sei. Que horas são?
– Não sei.
2.
Mudaram de bar; durante: Falaram de Huxley, Almodóvar, da Calcanhotto, do Bortolotto (que tomou uns tiros), e Bethânia, Gal, Hitchcock, Rô Rô, Mirisola, Buñel, Reinaldo Moraes, Caio F., Orwell, Ignácio de Loyola. E pediram cerveja para brindar. O rapaz de camisa bege encheu os dois copos e propôs um brinde ao “Não verás país nenhum”.
– E que o Souza não esqueça da porra do paletó. – brindaram.
– E o guarda-chuva de seda preta.
Riam alto. Procuraram juntos Piazzola na junkebox, não acharam. O de camiseta branca falou que tinha-uns-discos-em-casa-e-se-esfriasse-ainda-tinha-conhaque-e.
– Ainda tenho algum pó, curte?
– As vezes. Hoje não.
– Bom, eu vou ao toalete.
– Ide em paz.
– O senhor não me acompanha?
– Hoje não, cara.
Sacou o maço de L&M do bolso da camisa bege, conferiu, seis cigarros e um baseado. Aguardou o outro voltar com sua camiseta branca, olhos verdes, All Star preto, jeans surrado, e um sorriso bonito. Acendeu um cigarro.
3.
– Acho que eu vou cair fora.
– Já. Vai de táxi?
– Acho que tenho um ônibus e tal..
– A gente só tomou três cervejas!
– Eu, meio que, já estava bebendo e sei lá.
– Tu é quem sabe. Eu moro com uns amigos, nesse horário ainda deve estar tocando um The Doors em casa.
– Queima um beck?
– E porque não?
– Não sei, normalmente quem vai em um não gosta muito do outro.
– Eu gosto dos dois. Dos três.
– Tipo, o que vier?
– É, tipo isso. – riram.
O rapaz de branco se levantou:
– Vou no banheiro de novo, cara, agora é só pra mijar mesmo. Cerveja é foda, da uma mijadeira do caralho e a rapaziada fica pensando que se ta cheirando horrores e nada, é mijo mesmo.
– Pode crer. To meio bodeado, meu, to afim de mandar uma.
– Hun, pega aí.
Passou um maço de Marlboro pra ele. Seis cigarros e um pino.
– Tenho mais um aqui. Pode acabar com esse.
– Valeu, falou.
4.
A noite esticou. Pagaram as sete cervejas e desceram até a praça pra fumar. O rapaz de olhos verdes tinha feito teatro. O que ajeitava o óculos com o indicador tocava um pouco de violão. Um reparou que embaixo dos cabelos abastados, castanho escuro e encaracolados, o rapaz de bege, tinha um par de orelhas bonitas com um brinco de argola. Também usava All Star e tinha um olhar pesado, cansado de alguma coisa. Outro achou já ter visto alguma peça em que o rapaz de calça escura e surrada havia interpretado o Trotsky. Os dois sorriam, leves. Como se fossem anjos com asas de algodão rodando a noite, queimando fumo, aspirando cocaína, bebendo vinho.
– Posso tirar uma foto da tua orelha?
– Qual das duas?
– A que tem brinquinho.
– E, porque?
– Sei lá, meu, deve ser brisa.
– Então tá.
O homem de branco tirou um celular do bolso e foi fotografando a noite, as orelhas, os óculos, os dentes, a boca. Divertiam-se, faziam poses, subiam em arvores, bebiam o que restava do vinho. Inalaram o que restava do pó. Acenderam a ponta. Acenderam o sol.
5.
Os carros – de algum modo – coloriam o negro do asfalto e acinzentavam o céu. A noite morreu. Os dois continuavam na praça. De algum modo, continuariam ali para sempre. Depois, vem o tudo.
– Agora topa o conhaque, tipo, saideira?
– Don’t have money, baby.
– O conhaque que eu tenho em casa. Talvez tenha um pouco de fumo por lá..
– Acho que não.
– Ok.
– Me deixa seu telefone.
– Tu nem vai ligar!
– Acho que sim.
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4 comentários:
De volta a batalha mermão! Tava sentindo falta do seu estilo malandro-e-melancólico. Legal saber que essas minhocas que moram na sua cabeça andam devorando os bons frutos da terra. Continua cara! Nada pode nos parar!
vc ainda não me ligou...
=/
E eu quero saber o que aconteceu depois disso... "/
ótimo texto. Muito mesmo.
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