segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Primeira história sobre dois caras

1.
Antes de tudo vem: conheceram-se num bar. Alto de noite. Um exagerará na bebida, o outro andava vidrado em outros lances. Um tomava gin-tônica com duas rodelas de um tipo de limão amarelinho. O outro periodicamente ia até o banheiro, cruzando a mesa de um tipo que tomava gin-tônica com duas rodelas de limão. Um tinha o olhar pesado, vestia jeans e camisa bege. Vez em quando empurrava os óculos com a ponta do indicador, realocando-o corretamente sobre a cartilagem do nariz. O outro saia do banheiro metido em seu jeans e camiseta branca.

– Ta bebendo o que?
– Gin.
– Quer rachar umas cervejas?
– Não sei. Que horas são?
– Não sei.


2.
Mudaram de bar; durante: Falaram de Huxley, Almodóvar, da Calcanhotto, do Bortolotto (que tomou uns tiros), e Bethânia, Gal, Hitchcock, Rô Rô, Mirisola, Buñel, Reinaldo Moraes, Caio F., Orwell, Ignácio de Loyola. E pediram cerveja para brindar. O rapaz de camisa bege encheu os dois copos e propôs um brinde ao “Não verás país nenhum”.

– E que o Souza não esqueça da porra do paletó. – brindaram.
– E o guarda-chuva de seda preta.

Riam alto. Procuraram juntos Piazzola na junkebox, não acharam. O de camiseta branca falou que tinha-uns-discos-em-casa-e-se-esfriasse-ainda-tinha-conhaque-e.

– Ainda tenho algum pó, curte?
– As vezes. Hoje não.
– Bom, eu vou ao toalete.
– Ide em paz.
– O senhor não me acompanha?
– Hoje não, cara.

Sacou o maço de L&M do bolso da camisa bege, conferiu, seis cigarros e um baseado. Aguardou o outro voltar com sua camiseta branca, olhos verdes, All Star preto, jeans surrado, e um sorriso bonito. Acendeu um cigarro.


3.
– Acho que eu vou cair fora.
– Já. Vai de táxi?
– Acho que tenho um ônibus e tal..
– A gente só tomou três cervejas!
– Eu, meio que, já estava bebendo e sei lá.
– Tu é quem sabe. Eu moro com uns amigos, nesse horário ainda deve estar tocando um The Doors em casa.
– Queima um beck?
– E porque não?
– Não sei, normalmente quem vai em um não gosta muito do outro.
– Eu gosto dos dois. Dos três.
– Tipo, o que vier?
– É, tipo isso. – riram.

O rapaz de branco se levantou:

– Vou no banheiro de novo, cara, agora é só pra mijar mesmo. Cerveja é foda, da uma mijadeira do caralho e a rapaziada fica pensando que se ta cheirando horrores e nada, é mijo mesmo.
– Pode crer. To meio bodeado, meu, to afim de mandar uma.
– Hun, pega aí.

Passou um maço de Marlboro pra ele. Seis cigarros e um pino.

– Tenho mais um aqui. Pode acabar com esse.
– Valeu, falou.


4.
A noite esticou. Pagaram as sete cervejas e desceram até a praça pra fumar. O rapaz de olhos verdes tinha feito teatro. O que ajeitava o óculos com o indicador tocava um pouco de violão. Um reparou que embaixo dos cabelos abastados, castanho escuro e encaracolados, o rapaz de bege, tinha um par de orelhas bonitas com um brinco de argola. Também usava All Star e tinha um olhar pesado, cansado de alguma coisa. Outro achou já ter visto alguma peça em que o rapaz de calça escura e surrada havia interpretado o Trotsky. Os dois sorriam, leves. Como se fossem anjos com asas de algodão rodando a noite, queimando fumo, aspirando cocaína, bebendo vinho.

– Posso tirar uma foto da tua orelha?
– Qual das duas?
– A que tem brinquinho.
– E, porque?
– Sei lá, meu, deve ser brisa.
– Então tá.

O homem de branco tirou um celular do bolso e foi fotografando a noite, as orelhas, os óculos, os dentes, a boca. Divertiam-se, faziam poses, subiam em arvores, bebiam o que restava do vinho. Inalaram o que restava do pó. Acenderam a ponta. Acenderam o sol.


5.
Os carros – de algum modo – coloriam o negro do asfalto e acinzentavam o céu. A noite morreu. Os dois continuavam na praça. De algum modo, continuariam ali para sempre. Depois, vem o tudo.

– Agora topa o conhaque, tipo, saideira?
– Don’t have money, baby.
– O conhaque que eu tenho em casa. Talvez tenha um pouco de fumo por lá..
– Acho que não.
– Ok.
– Me deixa seu telefone.
– Tu nem vai ligar!
– Acho que sim.

4 comentários:

eletricmanfred disse...

De volta a batalha mermão! Tava sentindo falta do seu estilo malandro-e-melancólico. Legal saber que essas minhocas que moram na sua cabeça andam devorando os bons frutos da terra. Continua cara! Nada pode nos parar!

Lucas Fontana disse...

vc ainda não me ligou...
=/

Unknown disse...

E eu quero saber o que aconteceu depois disso... "/

Fernanda Paz disse...

ótimo texto. Muito mesmo.